Fofoca, má-língua, calúnia, detração, difamação, mexerico…
Três vidas temos nós diferentes: 1) a vida espiritual, que a graça divina nos confere; 2) a vida corporal, de que a alma é o princípio; 3) e a vida social, que repousa os seus fundamentos na
boa reputação.
boa reputação.
O pecado nos faz perder a primeira (a vida espiritual), a morte nos tira a segunda (a vida corporal) e a maledicência nos leva a terceira (a vida social).
A maledicência é uma espécie de assassínio e o maldizente torna-se réu de um tríplice homicídio espiritual: o primeiro e o segundo com respeito à sua alma e à alma da pessoa com quem se fala; e o terceiro com respeito à pessoa de quem se deturpa o bom nome.
São Bernardo diz, por isso, que os que cometem a maledicência e os que a escutam têm o demônio no corpo, aqueles na língua e estes no ouvido.
O Rei David, falando dos maldizentes, diz:
Aguçam as suas línguas como a das serpentes, querendo significar que, à semelhança da língua da serpente (que tem duas pontas, sendo fendida no meio), também a língua do maldizente fere e envenena duma só vez o coração daquele com quem está falando e a reputação daquele sobre quem se conversa.
Por isto nunca devemos falar mal de ninguém, nem direta nem indiretamente.
Isto significa:
a) nunca negar o bem que sabes que alguém possui na verdade ou de atenuá-lo por palavras;
b) nunca atribuir falsos crimes ao próximo, descobrir faltas ocultas dos outros, aumentar
as conhecidas;
as conhecidas;
c) interpretar mal as boas obras. Tudo isso ofende muito a Deus, máxime o que encerra alguma mentira, contendo então sempre dois pecados: o de mentir e o de prejudicar o próximo.
A Maledicência mais cruel
Quem, para maldizer, começa elogiando o próximo é ainda mais malicioso e perigoso. Dizem, por exemplo: “Estimo muito tal pessoa, que aliás é muito boa, mas para dizer a verdade não teve razão em fazer isso e aquilo. Aquela moça é muito boa e virtuosa, mas deixou-se enganar”…
A maledicência, afinal, proferida à guisa de um gracejo, é a mais cruel de todas, tanto assim que se pode comparar a sua crueldade com a da cicuta, que, não sendo em si um veneno muito forte, é até fácil de ser preservado, se torna irremediável, e se mistura com o vinho.
Deste modo, uma maledicência que por si só não conseguiria outra coisa senão entrar por um ouvido e sair pelo outro, muito impressiona o espírito apresentando-se de um modo sutil e jocoso.
É isso que o Rei David nos quer dizer naquelas palavras: “Eles têm o veneno da víbora em seus lábios”. De fato, a víbora faz sua mordedura quase imperceptível e causa uma sensação agradável, a qual, porém, dilatando o coração e as entranhas, faz o veneno entrar tão profundamente que não há mais cura.
Ainda que um homem tenha sido viciado muito tempo, corremos risco de mentir, se o chamamos de viciado. Simão, o leproso, taxava Madalena de “a pecadora” porque ela o tinha
sido antes.
sido antes.
Mas ele mentia, pois ela já não o era. Penitente e contrita, o próprio Nosso Senhor tomou sua defesa.
O louco do fariseu tinha o publicano na conta de grande pecador, porventura na conta de injusto, adultero e ladrão. Enganava-se, porém, redondamente.
A delicadeza de consciência devemos unir à prudência, que é necessária para precavermo-nos de outro extremo que caem aqueles que, para evitar uma maledicência, se põem a louvar o vício.
Se uma pessoa tem o costume de falar mal do próximo, não digas logo. Se uma outra é manifestamente vaidosa, não vás dizer que tem um coração nobre e maneiras delicadas.
Não chames às familiaridades perigosas de simplicidade e naturalidade de uma alma inocente. Não denomines a desobediência, zelo; a arrogância, generosidade; a sensualidade, amizade.
Pois, para fugir da maledicência não devemos favorecer os outros vícios, não os lisonjear e nem os estimular; mas deve-se dizer franca e livremente que um vício é um vício e repreender o que é repreensível.
Fazendo isso, sem dúvidas daremos glórias a Deus, contanto que observemos determinadas condições. Antes de tudo, só se deve repreender os vícios do próximo se disso provier alguma utilidade para aquele de quem se fala ou para aqueles com quem se fala.
Por exemplo, dizer que tais e tais pessoas vivem numa familiaridade perigosa e indiscreta; que certa pessoa é muita dissoluta em palavras ou, em outros modos, contrária ao pudor, é indispensável deixar claro que aqueles modos de ser ou de proceder são censuráveis.
Por que, do contrário, acaba-se é dando ensejo a que os ouvintes tomem aquela informação como estímulo para seus procedimentos.
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Fonte: excertos do livro “A Filoteia”, de São Francisco de Salles.
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