Em sua homilia na Missa com os cardeais, celebrada após o conclave, o Papa
Francisco faz algumas afirmações que por certo chocam com uma mentalidade
muito difundida no mundo atual. Disse o Pontífice: “Eu queria que, depois
destes dias de graça, todos nós tivéssemos a coragem, sim a coragem, de
caminhar na presença do Senhor, com a Cruz do Senhor; de edificar a Igreja
sobre o sangue do Senhor, que é derramado na Cruz; e de confessar como
nossa única glória Cristo Crucificado”.
Em outra passagem, pronunciada um pouco antes, é ainda mais incisivo:
“Quando caminhamos sem a Cruz, edificamos sem a Cruz ou confessamos
um Cristo sem Cruz, não somos discípulos do Senhor: somos mundanos,
somos bispos, padres, cardeais, papas, mas não discípulos do Senhor”.
Essas palavras são duras, sobretudo no mundo atual, em que se tenta a
todo custo banir as palavras dor e sofrimento da vida das pessoas. No
entanto, elas apenas ecoam o que disse Jesus em mais de uma oportunidade:
“Quem não carrega a sua cruz e me segue, não pode ser meu discípulo” (Lc 14, 27).
Mas ainda assim, esse apelo ao sacrifício, que está na essência da mensagem cristã,
não estaria ultrapassado, não seria um medievalismo incompatível com a cultura
que se forma nesse início de terceiro milênio?
Tudo o que é grande começou pequeno e custou esforço de muitas mulheres e de
muitos homens. Tomemos como exemplo os grandes inventos arquitetônicos, de
tempos antigos e atuais. Por mais que a técnica evolua, é necessário os engenho,
o esforço intelectual e físico de muitas pessoas até que se tenha por acabada
aquela obra que encanta os olhos e alegra a alma.
E o mesmo ocorre nas instituições humanas. Começam com uma boa ideia, mas
se faz realidade com o trabalho incansável de pessoas que se lançam a edifica-la,
um dia após outro. Mas não fiquemos apenas com exemplos de obras materiais.
Pensemos na geração e educação de um filho. São incontáveis os sofrimentos de
uma mãe, antes, durante e após o parto. E, depois, as preocupações diárias para
que essa filha ou esse filho assimilem os valores que temos por necessários para
que atinjam a felicidade. E isso sem contar as horas de sono que se perde
(ou se ganha) dando-lhes de mamar, esperando que retornem de uma festa
ou simplesmente apreensivos com os rumos de sua vida profissional, familiar etc.
É fácil notarmos que os grandes feitos se alcançam com sacrifício. No entanto,
podemos agir por fins nobres e altruístas ou mesquinhos e egoístas. Podemos
fazê-lo com amor, que sempre se faz acompanhar de paz e alegria, ou reclamando
da sorte e da vida, de onde brota tristeza e irritação.
Quando o Papa, já num dos seus primeiros pronunciamentos, nos recorda da
necessidade de abraçar a Cruz não quer fazer de nós uma espécie de masoquistas.
Partindo da realidade mais palpável e real, de que a dor e o sofrimento de um modo
ou de outro sempre nos acompanharão nessa vida, quer que não nos esquivemos
deles, mas que os abracemos por amor, pelo bem daqueles com quem
convivemos e da humanidade inteira.
Não se propõe a resignação com a doença e o mal que há no mundo. Também por
amor o cristão e as pessoas de boa vontade deverão fazer o que está ao seu alcance
para aliviar os padecimentos próprios e alheios. Mas por mais que a medicina e a
ciência em geral evolua – e se espera que essa evolução se dê sempre a favor
da vida e da dignidade humana – jamais conseguirá banir da vida da mulher e do
homem a dor e o sofrimento.
Conta-se que a madre Tereza de Calcutá uma vez foi observada por uma pessoa,
que contemplou o beijo e afago que fazia em um doente de aspecto repugnante.
Diante disso, esse homem comentou: “nem por todo dinheiro do mundo eu faria isso”.
E a bondosa religiosa respondeu: “nem eu”. Por dinheiro, tampouco ela o faria, mas
fez isso e muito mais em sua vida, por amor. E alguém que contemple o seu
semblante sereno e alegre ousará dizer que não foi imensamente feliz já aqui nesta vida?
Nenhum comentário:
Postar um comentário